sexta-feira, 25 de abril de 2014

Capitãs de Abril: As protagonistas que ninguém viu na Revolução

Ana Sofia Fonseca reuniu no livro Capitãs de Abril as histórias de dez mulheres envolvidas no 25 de Abril e que contribuíram, à sua maneira, para a Revolução, num tempo em que só os homens tinham o poder de encetar a mudança.
 
As mulheres dos militares que protagonizaram a revolução de Abril contam as suas vidas pessoais, enredos particulares que se embrenham com a própria história de um país e que nos dão a conhecer um lado menos explorado de um dos principais acontecimentos da história do século XX, em Portugal.
Ao todo, foram dez mulheres que deram a conhecer as suas vivências a Ana Sofia Fonseca, jornalista da SIC, que juntou todas as peripécias no livro Capitãs de Abril, lançado pela editora Esfera dos Livros para assinalar os 40 anos do fim da ditadura.
Ana Sofia Fonseca já tinha abordado o mesmo tema há dez anos, por altura das comemorações do 30.º aniversário da revolução, num trabalho publicado na revista Grande Reportagem. Quis no entanto regressar: “Há temas que tratamos e que fechamos. Há outros a que nos apetece regressar. Desde que escrevi aquela grande reportagem, senti que queria voltar, que queria ouvir mais, que queria contar mais”.
O ponto de vista que é aqui revisitado, da forma profunda e pormenorizada que a reportagem não permite, partiu de uma curiosidade inicial de conhecer um ângulo pouco falado. “Portugal era naquela época um país de homens, o golpe tinha mesmo de ser feito por homens. Nós não tínhamos sequer mulheres nos quartéis”. Foi preciso esperar por 1989 para ver a primeira mulher em quadro permanente do Exército. Em 1992, o Exército Português admitia trinta e quatro militares femininas nas suas fileiras. A primeira mulher com patente de Capitão surge apenas dez anos mais tarde.
Despojadas de direitos civis e submetidas ao poder do chefe de família, as mulheres não deixavam de estar presentes. A curiosidade em saber onde estavam as mulheres levou a jornalista a procurar respostas: “Era impossível elas terem sido apenas espectadoras, completamente remetidas ao papel que o Estado novo lhes tinha entregue”.
A Guerra como detonador
De todas as histórias que ouviu na construção do livro, a autora destaca as memórias que reuniu da Guerra Colonial. “A guerra é o grande detonador da revolta, para homens e mulheres. Muitas destas mulheres também viveram África”. Dina de Carvalho acompanhou Otelo para a guerra. Na primeira Comissão quase morreu, na segunda morre uma filha do casal. Ficava à espera que o marido chegasse das missões no mato, enquanto os helicópteros sobrevoavam a sua casa, carregando os corpos sem vida. Ou Teresa Alves, que deixou a filha única em Portugal para poder acompanhar Vítor Alves. Só as saudades da filha a impediram de vestir por mais tempo a farda, ou até mesmo ver-se no papel de parteira, sem qualquer experiência.
O tema dos retornados que é aliás abordado por esta mesma autora de uma perspectiva quase oposta, no livro Angola, Terra Prometida, que conta a vida desafogada que os portugueses levavam nas ex-colónias, antes da eclosão da guerra.
Ao seguir a ordem cronológica dos eventos na véspera e durante o dia decisivo, Ana Sofia Fonseca vai contando a história das várias vidas “que davam para um ou para vários filmes”. Histórias que se fragmentam, eventos que se dão, vivências escondidas por contar que os explicam. “Ao abordar a revolução deste ângulo, pude também conhecer um lado menos conhecido dos homens que fizeram o golpe. Dentro de quatro paredes, as pessoas são sempre diferentes. Podemos dizer que este é um livro sobre a revolução, na sua intimidade”.
Para além das vivências das mulheres dos militares directamente implicados no golpe, a autora conta também a história de duas protagonistas na sombra, que não se envolveram na revolução por arrasto do militar que amavam: Celeste Caeiro, a mulher que distribuiu os cravos pelas espingardas e que, sem saber bem como, acabou por dar o nome à revolução; e Clarisse Guerra, a única mulher que leu, no auge da revolução, um comunicado do Movimento das Forças Armadas, em directo dos estúdios do Rádio Clube Português.
Outras peripécias da véspera são contadas, “porque todos os golpes têm uma véspera”. Desde Ana Coucello, que chega a bater à máquina os comunicados do MFA, ou Aura Costa Martins, que evita as consequências de uma acção precipitada de Costa Martins, depois de um atraso na transmissão da primeira senha que o levou a pensar que a PIDE teria descoberto a conspiração.
Sem tabus nem nostalgias
Os acontecimentos retratados na primeira pessoa fazem parte “de uma história recente, da história de todos nós. A minha geração não viveu o 25 de Abril, tão pouco Angola, Moçambique ou Guiné.”
Por isso, Ana Sofia Fonseca considera importante compreender o passado recente “sem tabus nem nostalgias”, até porque “temos a sorte de ter as personagens ainda vivas, e é preciso registar essas memórias. É preciso manter a memória viva”. Para perceber o que o país foi, o que a Revolução fez, e o que ficou por fazer.
Fonte:
http://lifestyle.publico.pt/artigos/333563_capitas-de-abril-as-protagonistas-que-ninguem-viu-na-revolucao/-1

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