OS RETORNADOS MUDARAM PORTUGAL é uma importante síntese dos reflexos causados
na sociedade nacional pelo trágico regresso dos portugueses residentes em África
nos anos de 1974 e 1975, naquele que constituiu um dos êxodos mais trágicos do
Ocidente. Quase quatro décadas depois, muitas centenas de milhares de
portugueses continuam a carregar esse sentimento de amputação, essa saída
forçada de uma terra que consideravam sua. Como conseguiram vencer, integrar-se
numa sociedade que os olhava com desconfiança e os recebeu com hostilidade?
Continuam a trazer África no coração? Esta obra de Fernando Dacosta é porto de
abrigo para essas e muitas outras inquietantes perguntas, uma voz dá voz às
frustrações, aos anseios, às carências de milhares de outras vozes.
OS
RETORNADOS MUDARAM PORTUGAL é uma obra de leitura obrigatória para se
compreender a sociedade portuguesa actual.
Os retornados mudaram Portugal Fernando Dacosta
Ninguém sabe ao certo quantos são. Alguns referem oitocentos mil, outros um milhão e meio. Vieram por barcos e por aviões, golfados em caudais intermináveis de desespero e desamparo. Imobilizaram-se ao frio, ao pudor, ao cansaço. O eco do seu êxodo, sem bíblia nem Israel, condoeu então o mundo. O velho império português retomava cabisbaixo, naufragado, às praias de onde, cinco séculos atrás, partira para uma epopeia de façanhas imorredoiras.
Refeitos os bocados de cada um, ergueram-se e atiraram-se em frente. Chegaram, em pequenos
grupos, a todo o país; e em pequenas ocupações, a todos os sectores. Como novos bandeirantes, colonos uma vez mais, foram para o interior carregando cóleras e pânicos, vinganças e ousadias.
A sua raiva foi a sua força; a anti-fé fê-los mover montanhas, dominar medos, vencer a loucura e o
desamor. E dar provas espantosas de coragem, de persistência, de engenho de invenção. Com ajudas de instituições, de subsídios, de empréstimos, de amigos, começaram a fixar-se e a transformar os locais onde se detiveram.
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